A advocacia parlamentar, especialmente no âmbito municipal, ainda é pouco compreendida pela própria comunidade jurídica. Costuma-se enxergar a advocacia no espaço público apenas a partir de dois polos: a atuação contenciosa em face do Estado e a advocacia pública exercida por procuradorias e defensorias. Entre esses extremos, existe um campo decisivo e pouco explorado: o trabalho técnico do advogado na formação do próprio texto normativo. É nesse ambiente que a advocacia parlamentar ganha contornos próprios, como atividade vocacionada a conformar juridicamente políticas públicas, prevenir litígios e proteger direitos coletivos, antes mesmo que o conflito chegue ao Judiciário.
No plano municipal, o impacto dessa atuação é direto. A Câmara define regras sobre transporte, limpeza urbana, uso do solo, serviços públicos locais, segurança, transparência e fiscalização de contratos e de empresas públicas, temas que interferem diariamente na vida do cidadão. O advogado que atua junto ao Legislativo não é, portanto, um mero redator de projetos de lei. Ele se torna corresponsável pela qualidade jurídica da produção normativa e, por consequência, pela efetividade das políticas públicas que dessa produção decorrem.
A advocacia parlamentar pode ser compreendida como a atuação do advogado em todas as fases do processo legislativo, elaborando, revisando e negociando textos normativos; analisando constitucionalidade, legalidade e juridicidade de projetos, emendas e substitutivos; assessorando comissões permanentes e temporárias; e fazendo a interface entre Parlamento, órgãos de controle, Judiciário e sociedade. Trata-se de advocacia predominantemente consultiva, porque orienta previamente sobre riscos jurídicos de determinadas escolhas políticas; preventiva, porque evita a aprovação de normas natimortas, inconstitucionais ou inexequíveis; e coletiva, porque lida com direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos de forma estrutural, ainda que fora do ambiente clássico do processo judicial.
Para desempenhar esse papel, o advogado parlamentar precisa dominar o processo legislativo previsto nas Constituições (Federal e Estadual), Lei Orgânica e no Regimento Interno, conhecer os limites de competência do município e a reserva de iniciativa do Chefe do Executivo, dialogar com a legislação federal em temas como transparência, estatais, responsabilidade fiscal e acesso à informação, e compreender a lógica das políticas públicas em discussão. Sua atuação se distribui por toda a tramitação: na admissibilidade do projeto, verificando iniciativa e compatibilidade constitucional; na Comissão de Constituição e Justiça, opinando pela constitucionalidade, legalidade e juridicidade e propondo emendas saneadoras; nas comissões temáticas, contribuindo para que o mérito político seja viabilizado em termos juridicamente exequíveis; no plenário, oferecendo suporte técnico ao parlamentar em debates e votações; e, por fim, na redação final, zelando pela técnica legislativa e pela clareza do texto.
Um exemplo ilustrativo dessa atuação é o exame de projeto de lei voltado a ampliar a transparência das empresas públicas municipais e demais entidades da administração indireta. Em muitos municípios, tais entes movimentam recursos expressivos, celebram contratos relevantes e executam políticas sensíveis, mas o cidadão tem dificuldade de saber quem são essas empresas, quais serviços prestam, que contratos celebram, quais são seus dirigentes e quais critérios orientam sua governança. A ausência de regras claras de transparência, não rara, decorre de um vazio normativo local, em que o município reproduz parcialmente normas federais, sem estruturar um marco próprio e sistemático. Diante de um projeto com esse objeto, a advocacia parlamentar atua, em primeiro lugar, na definição correta da competência e da iniciativa. É necessário examinar se as disposições propostas respeitam a competência legislativa municipal e não invadem a esfera de organização administrativa reservada ao Executivo. O desenho normativo deve ser construído de modo a reforçar a função fiscalizadora e normativa da Câmara, estabelecendo padrões e deveres de transparência, sem usurpar a prerrogativa do Executivo de organizar internamente suas entidades.
Em seguida, o texto precisa dialogar com o regime jurídico das empresas estatais e com a Lei de Acesso à Informação, evitando contradições e sobreposições, mas também preenchendo lacunas ao adaptar essas diretrizes gerais à realidade local. Outra frente essencial é a definição de deveres objetivos de transparência. O advogado parlamentar contribui para que a lei exija, de forma clara, a divulgação em portal acessível ao cidadão de contratos e aditivos, quadro de dirigentes e conselheiros com mandatos e remuneração, relatórios de desempenho e demonstrações financeiras, políticas de governança e de gestão de riscos, entre outras informações relevantes ao controle social. Ao mesmo tempo, é preciso cuidado para não transformar a lei em manual de rotinas administrativas, o que poderia engessar a atuação das empresas.
A técnica legislativa recomenda que a lei estabeleça princípios, parâmetros e obrigações nucleares, remetendo a detalhes operacionais a atos infralegais, desde que não haja renúncia indevida da competência normativa do Legislativo. O resultado de um trabalho técnico bem feito é perceptível. Uma lei de transparência bem estruturada fortalece o controle social sobre empresas públicas, reduz o espaço para suspeitas generalizadas de irregularidades, oferece maior segurança jurídica para dirigentes e servidores e contribui para a confiança institucional nas estatais municipais. Ao prever obrigações claras de publicidade ativa, prazos de atualização de informações e mecanismos de responsabilização política em caso de descumprimento, a norma aproxima o cidadão da gestão dos recursos públicos e torna mais efetivo o papel fiscalizador da Câmara. Em contrapartida, a ausência de assessoria jurídica qualificada tende a produzir leis inconstitucionais, contraditórias ou inexequíveis, gerando judicialização, frustração social e insegurança para a administração.
A experiência prática com projetos dessa natureza evidencia que a advocacia parlamentar é um espaço legítimo e necessário de atuação profissional. Ela exige do advogado domínio técnico multidisciplinar, capacidade de síntese e redação clara, sensibilidade política e compreensão das consequências concretas que cada escolha normativa produzirá na vida cotidiana do cidadão. Reconhecer essa atuação como campo específico – ainda que não formalizado sob essa nomenclatura nas diretrizes oficiais – é passo importante para aprimorar a qualidade da legislação municipal e, por consequência, a própria qualidade da democracia em seu nível mais próximo da população. Cuidar da técnica das leis é, em última análise, cuidar das condições jurídicas que estruturam a vida em comum nas cidades.

Ruy Alves de Souza Neto
Advogado, empresário e comunicador.
Bacharel em Direito pela UniCambury/GO e em Administração pela UniRedentor/RJ, possui pós-graduação em Direito Político e Eleitoral pela Faculdade Atame/GO e pós-graduação em Poder Legislativo e Direito Parlamentar pela Escola do Legislativo da Assembleia Legislativa do Estado de Goiás.
Atua como Vice-Presidente da Comissão de Acompanhamento e Processo Legislativo da Ordem dos Advogados do Brasil – Seção Goiás.
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