Direita conquista La Moneda: José Antonio Kast leva o Chile ao seu ponto mais conservador desde Pinochet

Líder do Partido Republicano vence o segundo turno com ampla vantagem sobre a comunista Jeannette Jara e projeta um governo marcado por agenda ultraconservadora.

José Antonio Kas, presidente eleito do Chile | Foto: Reprodução/X

As urnas no Chile se fecharam neste domingo (14) com um recado contundente do eleitorado: pela primeira vez desde o fim da ditadura, a extrema direita chega à presidência do país. O advogado José Antonio Kast, de 59 anos, líder do Partido Republicano, foi eleito presidente ao derrotar, com larga margem, a candidata comunista Jeannette Jara, apoiada pelo governo de Gabriel Boric. Com quase a totalidade das urnas apuradas, Kast aparece com cerca de 58,3% dos votos, contra 41,7% de Jara, segundo a contagem do Serviço Eleitoral chileno e projeções da imprensa local.

A vitória consolida uma virada à direita no cenário político chileno e coloca no comando do Palácio de La Moneda um presidente descrito por veículos internacionais como o mais conservador dos 35 anos de democracia. Kast não esconde sua identificação ideológica: defende parte do legado de Augusto Pinochet, critica o que chama de “agenda globalista” e constrói sua narrativa em torno de três eixos principais – ordem, segurança e controle migratório.

Um “pinochetista” no século XXI

José Antonio Kast construiu sua trajetória na política chilena pela direita tradicional, como deputado da União Democrata Independente (UDI), mas rompeu com o partido para fundar, em 2019, o Partido Republicano, legenda ainda mais conservadora e abertamente crítica aos consensos construídos após a redemocratização.

Ao contrário de outros líderes de direita que buscavam se distanciar da ditadura, Kast tem um discurso menos ambíguo: já elogiou aspectos do regime e evita condenações categóricas à figura de Pinochet, algo que preocupa setores de direitos humanos e parte da academia chilena. Reportagem de veículos europeus descreve o agora presidente eleito como um “ultraconservador que reivindica o legado do regime militar”, o que adiciona tensão ao diálogo com movimentos sociais que, desde 2019, vêm pautando memória, verdade e justiça.

No campo dos costumes, Kast se opõe ao aborto em qualquer hipótese, já criticou avanços em direitos LGBTQIA+ e rejeita pautas de diversidade e gênero adotadas por governos progressistas na região. É uma agenda que o aproxima de correntes da direita religiosa e ecoa discursos de lideranças conservadoras de outros países latino-americanos.

Segurança, migração e economia liberal: o tripé da campanha vitoriosa

A campanha de Kast capitalizou o medo da população com o aumento da criminalidade, do narcotráfico e do crime organizado, especialmente nas grandes cidades chilenas. Seu discurso foi direto: endurecer penas, ampliar o aparato policial e “recuperar a ordem nas ruas”. Em entrevistas e debates, Kast prometeu construir valas e barreiras na fronteira norte com Peru e Bolívia, implementar deportações em massa de migrantes irregulares e criar presídios de segurança máxima para lideranças do crime.

Na economia, o presidente eleito defende uma agenda de mercado mais liberal, com redução de tributos, flexibilização regulatória e espaço maior para a iniciativa privada em áreas como previdência, saúde e educação – pontos sensíveis em um país marcado pelo estallido social de 2019 justamente contra um modelo ultraprotegido pelo mercado. Analistas veem na vitória de Kast um rejeição ao ciclo progressista recente e ao fracasso do processo constituinte, mais do que uma adesão plena a todas as suas propostas.

Ao mesmo tempo, sua plataforma promete ajuste fiscal e estímulo a investimentos, discurso que agrada setores empresariais e parte do mercado financeiro, que já antecipam uma guinada mais “business friendly” após anos de instabilidade institucional.

O peso simbólico: Chile entra na onda conservadora latino-americana

A eleição de Kast é imediatamente lida como parte de uma onda conservadora que atravessa a América Latina, em sintonia com experiências de direita dura na região – de Javier Milei na Argentina a figuras alinhadas ao bolsonarismo no Brasil. A imprensa internacional ressalta que se trata da primeira vez que a extrema direita alcança a presidência chilena em plena democracia, algo impensável poucos anos após as grandes marchas por uma nova Constituição e o protagonismo da esquerda nas ruas.

No primeiro turno, candidatos de perfil liberal-conservador e de direita já haviam somado cerca de 70% dos votos, deixando clara a mudança de humor do eleitorado diante de problemas como inflação, insegurança e frustração com a agenda de reformas de Boric. A comunista Jeannette Jara, apesar de liderar a primeira votação, chegou ao segundo turno cercada por previsões de uma “derrota anunciada” diante da coalizão conservadora que se formou em torno de Kast.

A própria esquerda chilena, em análises pós-votação, reconhece desgaste, fragmentação e a dificuldade de traduzir em políticas concretas as demandas que emergiram do estallido social. A tarefa agora será reorganizar projeto, lideranças e discurso em cenário menos favorável, com a direita não apenas competitiva, mas ocupando o centro do poder.

Desafios de governabilidade: presidente de direita forte, Congresso hostil

Apesar da vitória expressiva nas urnas, Kast não encontrará um caminho livre no Congresso. O mapa legislativo que sai das eleições gerais aponta para um Parlamento fragmentado, com forças de centro e de esquerda ainda relevantes, capaz de bloquear iniciativas mais radicais, sobretudo na revisão de direitos sociais e reformas sensíveis.

Esse quadro pode levar a dois cenários: ou Kast opta por moderar o discurso e buscar acordos, transformando parte da retórica de campanha em reformas graduais, ou parte para um confronto permanente com o Legislativo e setores organizados – o que aumentaria o risco de crise institucional. A pressão de sua base mais ideológica, que espera medidas rápidas e simbólicas (como endurecimento migratório e revisão de políticas identitárias), será um fator constante na equação.

No plano regional, vizinhos como Brasil, Argentina e outros países sul-americanos terão de lidar com um Chile mais alinhado a pautas de direita dura em segurança, costumes e economia, ainda que dentro das instituições democráticas. Para governos progressistas da região, a mensagem é clara: a insatisfação com insegurança, custo de vida e frustração com promessas não cumpridas pode reabrir espaço para projetos claramente à direita – inclusive quando esses projetos flertam com referências autoritárias do passado.

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