STJ reconhece injúria racial como crime imprescritível e manda TJGO retomar julgamento de caso em Goiás

Recurso do MPGO derruba decisão do Tribunal de Justiça de Goiás que havia declarado prescrita ação penal por injúria racial; entendimento reforça combate ao racismo e vincula cortes estaduais à jurisprudência superior.

Injúria racial | Foto: Ponto de Vista/IA

O Superior Tribunal de Justiça (STJ) deu provimento a recurso especial interposto pelo Ministério Público do Estado de Goiás (MPGO) e afastou o reconhecimento da prescrição em uma ação penal que apura crime de injúria racial praticado em Goiás. Com a decisão, o ministro Sebastião Reis Júnior determinou o retorno do processo ao Tribunal de Justiça do Estado de Goiás (TJGO) para que a corte volte a julgar a apelação, agora sob a premissa de que a injúria racial é imprescritível, por ser espécie do gênero racismo.

O caso teve origem em denúncia oferecida em fevereiro de 2016 pela promotora de Justiça Adriana Marques Thiago. Segundo o MPGO, o réu teria proferido ofensas de cunho racial contra a vítima em três ocasiões diferentes, entre 21 e 24 de outubro de 2015, no contexto de desavença referente a um contrato de locação de imóvel, do qual o acusado era locador. Em primeira instância, ele foi condenado a 1 ano, 2 meses e 12 dias de reclusão, além de 12 dias-multa.

Ao analisar a apelação da defesa, porém, o TJGO havia declarado extinta a punibilidade ao reconhecer a prescrição da pretensão punitiva estatal, sob o entendimento de que a imprescritibilidade da injúria racial só poderia valer para fatos posteriores à Lei nº 14.532/2023, que atualizou a redação do art. 140, § 3º, do Código Penal. Atuou no julgamento, em segundo grau, o procurador de Justiça Abrão Amisy Neto.

Inconformado, o Núcleo de Recursos Constitucionais (Nurec) do MPGO levou o caso ao STJ. O promotor de Justiça Murilo da Silva Frazão sustentou que a injúria racial é imprescritível desde a edição da Lei nº 9.459/1997, que inseriu essa modalidade no contexto dos crimes de racismo, tornando-a inafiançável e imprescritível, à luz do art. 5º, XLII, da Constituição Federal. Para o MP, a lei de 2023 não inaugurou a imprescritibilidade, apenas reforçou entendimento já consolidado.

Ao acolher o recurso, o ministro Sebastião Reis Júnior afirmou que o acórdão do TJGO contrariou a jurisprudência já firmada tanto no STJ quanto no Supremo Tribunal Federal (STF). O relator destacou que a distinção formal entre os crimes previstos na Lei nº 7.716/1989 (lei do racismo) e o tipo penal do art. 140, § 3º, do Código Penal não afasta o enquadramento da injúria racial como manifestação de racismo. Para o ministro, o rol de condutas da legislação especial não é exaustivo, e a injúria racial deve ser compreendida como espécie do gênero racismo, submetida, portanto, ao mesmo regime constitucional de imprescritibilidade.

Na prática, a decisão do STJ tem impacto direto não apenas sobre este processo específico em Goiás, que volta à pauta do TJGO, mas também sobre outros casos de injúria racial no estado que, porventura, tenham sido enquadrados sob chave de prescrição. O recado é claro: manifestações discriminatórias de cunho racial, mesmo ocorridas em contextos considerados privados, como litígios contratuais ou desavenças em condomínios, não serão tratadas como conflitos menores, mas como violações graves à ordem constitucional antirracista.

Para o sistema de Justiça goiano, a decisão reforça a necessidade de alinhamento aos tribunais superiores em matéria de direitos fundamentais e combate ao racismo. E, para a sociedade, consolida uma mensagem de proteção às vítimas de injúria racial: o tempo não apaga a gravidade do crime, e a responsabilização do agressor não pode ser esvaziada por manobras de prescrição indevidamente aplicadas.

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